sexta-feira, 21 de outubro de 2011

colonialismo mental na academia brasileira

Já cantava Bob Marley:
"Emancipate yourselves from mental slavery..."


O modelo para a academia brasileira é a Europa. Ontem ouvi isto de um professor da Federal do Paraná. Não coloco em questão a pessoa que falou isto, que pode ser uma boa pessoa, mas a mentalidade. A ideia surgiu em meio a uma conversa sobre o intercâmbio que a UFPR tem com a universidade de Lyon. O professor argumentava que o modelo acadêmico brasileiro estaria defasado em relação ao europeu. Que a tendência "mundial" (ou seja, do centro do capitalismo) é esta: o mestrado não vale mais nada, e o doutorado fica cada vez mais curto. O mestrado não é uma pesquisa independente, é só uma preparação para o doutorado. O modelo brasileiro estaria "defasado"? CNPq e Fapesp tem diminuído muito os nossos prazos. Estão atentos ao que acontece lá, no Primeiríssimo mundo, aquele que tem um Berlusconi e um Obama que captura ex-aliados tal e qual fez George W. Bush. 

"Nós não podemos ficar para trás" - "nossa referência é a Europa". Particularmente, eu fico estupefata que ninguém tenha se perguntado qual é o NOSSO interesse. Nosso interesse é automaticamente se adequar a um padrão externo. Digamos que nós erigíssemos um sistema acadêmico que fizesse sentido para nós, adequasse-se aos objetivos que nós mesmos estabelecemos, tanto no que diz respeito à ciência que queremos produzir, quanto ao país que queremos produzir. Mas isto traria uma certa inadequação aos parâmetro exteriores. Talvez perdêssemos um ano para conseguir fazer um sanduíche na Europa, talvez dois. Esta perda é mesmo uma catástrofe? Não é melhor ir para a Europa ciente do que aquela experiência deve agregar para nossos propósitos? O que falar das relações Sul-Sul? Propaga-se aos quatro cantos que o Brasil está mudando, que o mundo, talvez, esteja mudando. Mas nossos referenciais ainda parecem fixados no século XIX, quando ninguém duvidava que a ciência e o conhecimento tinha uma única fonte: a Europa. Produzir conhecimento nos trópicos era abrir uma sucursal europeia abaixo do Equador. 

Dou outros exemplos. Já faz anos que eu combato a ideia de que, para ingressar no doutorado em antropologia no Museu nacional, na Unicamp ou na USP, são necessárias "duas línguas estrangeiras". Mas não são quaisquer línguas estrangeiras. São inglês e francês. O aluno que se deu ao trabalho de aprender árabe, guarani ou xhosa  tem menos valor do que aquele que aprendeu as línguas do cânone da ciência sucursal. Aliás, não tem valor, porque esta habilidade, que apresenta muitíssimo mais dificuldades, não é levada em conta. No entanto, o que seria mais "antropológico"? Francês ou guarani? O que seria mais "antropológico": todos dominarem inglês e francês, ou uns dominarem guarani, outros xhosa, outros árabe? Não quero com isto defender que nós nos isolemos da produção mundial. Mas não quero que nos isolemos da produção mundial, que não é a produção euro-americana (né?). Supostamente é na antropologia que mais se tem conhecimento de que a língua é um fator de poder. A contradição passeia por aí, vistosa, mas ao mesmo tempo parece invisível. Ela está naturalizada, mesmo entre aqueles que se atribuem a tarefa de desnaturalizar aquilo que é produto das relações humanas. Eu sempre estive isolada defendendo o meu posicionamento. 

Como eu gosto de ter uma interlocução com a História, fui me inscrever na XXVIII Semana da História sediada no campus de Assis da Unesp. Aproveitei para dar uma olhada nos tópicos que serão discutidos. Temos um tópico em Idade Média - europeia, bem entendido, porque aqui o que houve é outra coisa. Aqui houve "descobrimento" de uns pelos outros. Não é que me incomode que alguém estude a Idade Média europeia. Mas é o desbalanço. Um grupo de trabalho destinado a isto. Implicitamente a Idade Média é mais nossa história do que o são os povos indígenas brasileiros, porque ainda é difícil que a História brasileira incorpore este tema. Ahh, mas este tema não pertence a História clássica, isto deixamos aos antropólogos. Não pertence à história clássica europeia, que desenvolveu os seus métodos para se entender! Se nossa situação é diferente, nossa história deve ser diferente! Ela deve ter um diálogo mais profundo com a antropologia. Alteridade é um fator, talvez o fator, mais relevante da história deste País. 



A questão toda faz a trajetória de um ciclo vicioso. Não entendemos "outras línguas" (não europeias) como relevantes, nos vemos responsáveis mais por história europeia do que por história brasileira. E portanto, não conseguimos definir objetivos próprios, pois tomamos os objetivos alheios como os nossos. Como não temos objetivos próprios, continuamos a achar normal que a Europa seja nossa referência acadêmica, em termos de línguas, tempo, formação, intercâmbios, temas. 

Obviamente este tema não aparece da primeira vez no Brasil. Como eu poderia esquecer de Darcy Ribeiro e Celso Furtado, entre outros? Mas há muito ainda para ser feito. Muito. 
Encontrar-se a si mesmo é tarefa para gerações. 

3 comentários:

  1. E ninguém questionou o professor? Pq assim...a academia é eurocêntrica mesmo, mas hj em dia vejo q há uma certa parcimônia, vergonhazinha de fazer esses discursos escancarados... x, Ju

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  2. não Ju, ninguém o questionou. e vi muita gente não sendo questionada na UNICAMP também. Que bom que aí com vocês tá rolando ao menos uma vergonha. É um passo já.

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  3. pensando melhor, acho q nem esse passo demos. talvez minha visão esteja contaminada pq convivo há tempos com especialistas em história não-européia; não duvido q um medievalista ou similar solte essa pérola por aqui, não. a parcimônia vem de estudiosos do tema...J.

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