sábado, 19 de maio de 2012

A Mídia e Anarkia







Tenho defendido em vários blogues e espaços cibernéticos que a revista Carta Capital é notória no seu tratamento decente em relação às mulheres, não só (muito) superior ao da VEJA e ISTOÉ, como também ao de muitos blogues ditos progressistas (ditos porque, afinal, como alguém pode ser considerado progressista se é machista ou racista?). Mais uma comprovação para este fato veio há duas semanas, quando a Carta Capital trouxe a história de Anarkia Boladona, grafiteira feminista eleita pela revista Newsweek como uma das 150 mulheres mais influentes do mundo. 





Não é de se espantar que alguém que recebe tamanha projeção lá fora é tão pouco conhecida no Brasil? Pelo menos a Carta não deixou escapar.  Anarkia já compareceu ao blogue da querida comparsa blogueira feminista, Srta. BiaEm entrevista a um outro blogue, Anarkia explicou o que era mais satisfatório em todo o processo de desenvolvimento de seus trabalhos:"Eu ter certeza que posso quebrar os padrões e ir o mais longe que desejar sempre que quiser."  
Por conta de seu projeto de divulgação da lei Maria da Penha através da arte de rua Boladona apareceu na revista Marie Claire. Não sou muito familiarizada com a versão brasileira, mas a versão francesa da revista é, do segmento das revistas femininas, a mais feminista que conheço. Enquanto isto, na página de fofocas da revista VEJA, tem projeção mulheres seminuas a destilar nulidades pessoais. Valorizemos as revistas e os meios de comunicação que nos tratam dignamente e que projetam mulheres da causa feminista. 

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Algumas considerações sobre o blogue do Nassif

Nassif e o último episódio em balanço

Aproveitando a proximidade de uma postagem minha, questionando as fotos de imagens "sensuais" femininas no blogue do Nassif, quero fazer um apanhado do que considero a respeito do que se passa e se passou. 
Primeiramente, longe de ser uma inimiga de tal blogue, eu o visito com frequência, e ele até é minha fonte primeira de informações, dado que eu mais dificilmente visito páginas de jornais ou revistas. Considero as opiniões do Luís Nassif argutas em várias áreas, das quais se destacam política, economia e jornalismo. Compartilhamos algumas preocupações, como por exemplo a desindustrialização do Brasil, a guerra cambial entre os países, o combate ao complexo de vira-latas que muitos brasileiros ainda tem (porém graças a deus cada vez menos), o monitoramento de nossa elite política, entre outros. Seriam muitos pontos afins  para listar. E é por isso que eu ando por lá, e não no blogue do Noblat, por exemplo. 

Pedras no sapato

Porém eu observo que há duas pedras no sapato de um Nassif progressista e articulado.  Uma delas diz respeito às matérias sobre o Oriente Médio. Sob um pretenso manto de discursos esquerdistas sempre acabam-se destilando comentários antissemitas. Há o botão "denunciar", que infelizmente, parece que somente eu uso nestes casos. Em relação a este tópico eu esperaria do Nassif uma posição mais enérgica no sentido de deixar claro que o blogue dele não pode ser um espaço para discursos de ódio quaisquer. 
A segunda pedra no sapato diz respeito ao tratamento dado às mulheres, e em especial às feministas. Houve o episódio da "feminazi", do qual eu participei ativamente, inclusive aqui no blogue, denunciando que o Nassif "subiu", ou seja, colocou como tópico, um comentário de um certo André Araújo, que não diz coisa com coisa e que evocou o malfadado termo para designar as feministas. Isto foi feio da parte do Nassif. Este termo é marcadamente usado com o único e exclusivo fim de desqualificar a luta contra o machismo e as autoras desta luta. 
Como seria se o Nassif tivesse subido um comentário apologético à "ditadura gay", aos "negros nazistas" ou coisa semelhante? Chegamos aqui a um traço triste e recorrente de nossa sociedade. O fato de a luta de mulheres por igualdade de oportunidade, tratamento público e privado igual ao dos homens, luta por nossa dignidade, ter menos reconhecimento público e ser menos relevante, quer porque não se vê a opressão, quer porque se a julga legítima. 
No entanto, há dois dias, o Nassif subiu uma postagem minha, que é a imediatamente anterior à presente neste blogue. Houve quem dissesse que eu trabalhava com a hipótese de que ele não seria "subido", mas ele foi. Francamente, eu contava com uma boa chance para que ele fosse subido, como foi. Ponto para o Nassif, que pelo menos também passou a dar voz ao outro lado, o nosso.  Espero que o episódio "feminazi" e congêneres não venham a se repetir. O Nassif, talvez mais do que ninguém, sabe ou deveria saber que não é ingênuo o que se expõe para ser notado, o que se grifa, o que se promove.  

Nus masculinos são o cerne da questão?


Um detalhe do último caso se mostrou relevante. O Nassif publicou minhas fotos de ensaios sensuais de homens, porém sem minha legenda, que dizia algo como "para exercitar o olhar". Ou seja, sem a legenda, parece que eu só me importo que fotos de homens nus sejam publicadas, numa espécie de "guerrinha entre sexos". Não é o caso. O caso é o exercício do olhar. É nos perguntarmos porque em várias mídias, e em especial aquelas que o Nassif condena, exploram tanto o corpo da mulher, como acontece na página de citações de celebridade da VEJA, onde há invariavelmente fotos de mulheres seminuas comentando algo sobre sua sexualidade. Já chamei várias vezes a atenção pra a elegância com que a Carta Capital administra estes assuntos. Neste ponto tenho uma admiração inversamente proporcional do Mino do que eu tenho do Nassif. 
Além do mais, o Nassif resolveu dar o nome "os nus masculinos" ao meu comentário, o que mais uma vez mostra que ele "missed the point", equivocou-se quanto ao cerne da questão. Os nus masculinos eram parte da reflexão, mas não constituíam o cerne da questão de por que a esfera pública tem ares de vestiário masculino, e por meio de muitos mecanismos sugere sempre às mulheres que elas não são bem vindas. 

Balanço geral 

Como o Nassif, e provavelmente bastante induzido pela leitura dele, a maioria dos comentadores "missed the point". Isto é o esperado da nossa sociedade atual, mesmo que, lamentavelmente, também em blogues progressistas. Há, no entanto, uma aceitação e suporte das ideias por mim definidas, como se diz em alemão "klein aber fein", um grupo pequeno ,porém bacanérrimo. Não podemos nos calar e não vamos nos ausentar de espaços, nós, mulheres, gays, judeus e outros, porque subliminarmente, ou mais explicitamente, não somos bem-vindos por tantos. 


terça-feira, 17 de abril de 2012

Fotos "sensuais" no blogue do Nassif. Mais uma problematização.

Mais um pinto d'ouro para o blogue do Nassif.
Male gaze no blogue e o longo caminho a se trilhar. Este foi o título que dei à postagem abaixo, que postei no blogue do Luís Nassif, onde toda boa vontade para demover o mesmo da tradicional postura do machão latino na vida pública parece pouca. 
Ontem, dia 16 de abril, subiram com uma postagem intitulada "Cindy Crowford, a Gisele Bündchen dos anos 90". 
A postagem vinha repleta de imagens "sensuais", daquela sensualidade feita por homens, para homens e onde mulheres são objetos. Os comentários que se seguiram foram os esperados: Gisele é melhor por isto, Cindy por aquilo, e assim por diante. Para muitos (talvez a maioria dos homens e também uma minoria das mulheres?) estas fotos parecem singelas, acompanhadas de comentários também singelos. Mas não nos enganemos, porque não o são.
Como seria se eu postasse fotos sensuais de homens? Deixando entreve os pênis? E ainda mais, o que seria se o Gunter, na qualidade de homossexual, postasse fotos sensuais de homens? Todos se sentiriam confortáveis? Talvez para proteger seu sacro direito a dispor do corpo feminino em olhares e discursos, os homens fingissem não o ver. Quem sabe. Mas não é inocente esta miscelânia que faz convergir male gaze - o olhar masculino, e a esfera pública ou a mídia.
Um exemplo hors concours do que falo é a revista playboy. Quantas vezes já não ouvimos que fulano se interessa pela playboy por causa das entrevistas, das matérias?  Reza a lenda que eram realmente boas as matérias e entrevistas. Não posso dizer minha opinião pessoal, porque como mulher eu fui excluída desta esfera do debate público.  Assim como minha mãe estava excluida do bate-boca político que se dava e em parte ainda se dá na boca maldita de Curitiba, onde homens se reunem para falar de mulher e política, ou se quiser inverter a ordem, de política e de mulher. 
E até que ponto não estamos, aqui no blogue, reproduzindo esta lógica de esfera pública hostil às mulheres assim que lhes empresta o papel de seres olhados, e não olhantes? Como caça, mas jamais como caçador?
Antes que me acusem de puritana, o que vai inevitavelmente acontecer, já que deixar-se conduzir por uma ótica feminina é tão difícil para a maioria, deixe-me vacinar-me antes. Não é a sexualidade, dimensão fundamental do ser humano, que eu critico. É seu como, quando e para quem. São seus moldes patriarcais, tão manjados, mas tão reiterados. Travestidos de normalidade eles ensinam gerações qual é o lugar da mulher (no olhar masculino - padronizado pela indústria pornográfica em suas diversas formas), e onde é o lugar do homem : na esfera pública, debatendo com os seus iguais- aqueles do mesmo sexo que ele, e heterossexuais como ele. (A quem possa interessar, não o faço porque pode parecer auto-promoção, posso dar o endereço do meu blogue onde trato de uma sexualidade fora da "ordem mundial")
Eleger uma mulher presidente não é o fim de um processo. É o começo de um processo. De um caminho muito árduo que ainda tem que ser trilhado com fins à igualdade entre homens e mulheres, desde as aberrações mais evidentes que o patriarcado cria, como a mutilação genital feminina, a burca, a prostituição infantil, o estupro, até as coisas mais aparentemente triviais, como a desmiolada comparação entre fotos de Cindy CRowford e Gisele Bündchen.  
Vamos, agora, a uma prova de democracia. Vamos ver se o Luís Nassif sobe com esta postagem.

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Para ajudar a refletir. E se as seguintes fotos estivessem no blogue do Nassif?







quarta-feira, 11 de abril de 2012

A Fábula do Menino Pobre

  Chamo a história que relato de fábula, não porque ela seja mentira, mas porque a fábula é uma história de encantamento e desencantamento. 

   Ouvi de primeira mão, estes dias, a história do menino que era homossexual e pobre e entrou na UFPR para cursar sociais. A sexualidade do garoto em questão, lá pelos seus 18 anos, não criou, segundo o próprio, barreiras maiores para a inserção no grupo. Mas, quando colegas seus esbarraram nele, enquanto ele trabalhava em um supermercado como repositor, tudo mudou. A barreira se construiu. Justo no curso de ciências sociais, onde boa parte de nós sonhamos com a justiça social, onde o socialismo não é démodé. 
          A fábula me lembrou de uma conhecida que estudava o racismo francês do ponto de vista etiológico. O que é isto? Uma dada pessoa racionalmente é contra o racismo. E até consegue sustentar o seu anti-racismo por mais tempo no discurso (diferente do que acontece no Brasil, onde o comum é negar o racismo e se entregar na frase seguinte). Mas o corpo dela fala diferente do que a cabeça. Em contato com algum grupo alvo de racismo, como árabes argelinos ou negros, ela se inclina, ela gesticula alteradamente. O racismo profundo e de certa forma involuntário, pois é involuntário ao menos para a razão.
           Duvido muito que racionalmente alguém do curso de ciências sociais tenha desdenhado a personagem da nossa fábula. Mas há algo como uma etiologia de classe no nosso país. Onde menos controlamos, mais queremos. Um espelho de nossas diferenças cotidianas abissais. 

terça-feira, 3 de abril de 2012

Usos e abusos de Deus e do Divino


Espero desta postagem que ela seja herética para crentes e para ateus que vêem a crença como um delírio, na formulação de Richard Dawkins. 


Como milhares de brasileiros fui infectada pelo meme da família desafinada, vídeo considerado hilário por muitos . E como outros tantos, redescobri o original, um rock cristão da banda exodus: "Galhos secos".   Esta letra interessante me remeteu aos vários deuses que imaginamos, vários mesmo dentro do cristianismo, ou mesmo dentro de uma denominação específica. O deus desta canção é o deus criador, e mais do que isto, um deus criador da beleza. O deus cristão aglutina em sua personalidade esta faceta criadora, muitas vezes uma faceta bondosa e paterna, mas não obstante também apresenta volta e meia uma faceta rancorosa, raivosa e punidora. Há a faceta colérica de deus, que castiga maus atos e mesmo a falta de fé. Quando um ateu é castigado pela vida, normalmente há um crente que creia, ou até mesmo expresse, a opinião de que o mal se trata de uma vingança divina que é a resposta à descrença.  

Olhai os lírios do campo: eles cresceram, para nossa alegria

"Para a nossa alegria", diz o estribilho da canção. É providencial falar em flores para remeter à divindade. As flores são o símbolo da beleza produzida por uma força não-humana, diferente de um quadro ou de uma sinfonia, daí por uma força divina para os crentes. É um sentimento puro, de alento, pensar que a beleza foi criada única e exclusivamente para a nossa apreciação, ou como diz a letra "para nossa alegria".  

Beleza esta que, não houvéssemos nós, os humanos, não seria admirada por ninguém, pois por mais semelhanças que cada novo achado científico traz entre nós e em especial os chimpanzés, nossos companheiros em 99% da sequência genética, ainda não foi relatado nos mesmos o senso estético. Por maior que seja a continuidade biológica entre nós e eles, a apreciação da beleza se põe como uma barreira, nos torna discretos em relação uns aos outros: ficamos cada um no seu próprio patamar. Que, aliás, é como os criacionistas enxergam a fauna: como cada espécie tendo sido criada isolada das demais, pelas mãos de um deus que não põe a natureza em movimento, para evoluir, um deus este de tantos outros. 

A beleza tem sido explicada como um subproduto da evolução das espécies, em uma ideia que já foi apresentada pelo velho Darwin: de que o supérfluo existe para atrair o sexo oposto. Há o exemplo dos pássaros, onde geralmente é o macho o mais belo, quando há dimorfismo sexual. O que menos pessoas parecem deduzir é que, se o belo é o macho, a fêmea supostamente é a apreciadora, a poetisa. Será mesmo? Será que a pavoa aprecia a exuberância do pavão? Não conheço estudo neste sentido. Além do mais, a escolha do parceiro pela beleza não concatena muito bem com a teoria da evolução da espécie: pois torna-se um fim em si mesmo, no máximo ao escolher o parceiro mais belo, se terá mais descendentes belos, que por sua vez terão mais descendentes belos. A beleza pode ser de vantagem para a procriação (no caso de a pavoa poder de fato apreciá-la), mas para a sobrevivência estrito senso a penugem ostentatória do pavão não passa de uma  bela desvantagem. 

Estou bem longe de acreditar, assim como os criacionistas americanos, que os dinossauros sejam o  produto de uma farsa de uma ciência diabólica: eles nunca teriam existido e foram plantados nas escavações por pessoas litearalmente de má fé. Ainda assim, alguns argumentos criacionistas devem nos fazer pensar. O design inteligente é uma consideração interessante. A ele subjaz uma pergunta: não seria uma sequencia por demais estrondosa que acasos subsequentes levariam a formas tão complexas e inteligentes como aquelas materializadas pelos seres humanos? Que o acaso produza a vida, até onde se saiba, só na Terra, já faz pensar. Mas que as formas complexas que temos hoje sejam fruto de acasos faz pensar ainda mais. E ainda mais quando estas formas complexas vem embutidas com a ideia de beleza, que as remete à metafísica, que as faz únicas entre os animais como somos únicos os seres vivos dentre diversos planetas.

Do meu ponto de vista, embora isto seja humano, e demasiado humano, o espanto próprio à nossa espécie, diante da vida ou da beleza não tem de estar, necessariamente, ligado a uma série de prescrições que as religiões concebem para além da admiração pelo que é , de fato, admirável. Admirar-se com as formas complexas e inteligentes, para as religiões, está atrelado a concepções étnicas de vários graus, todas elas duvidosas em relação àquele espanto primevo. Porque talvez exista uma força criadora, então homossexuais não podem se casar entre si? A maioria das religiões faz deduções que são difíceis de serem sustentadas, quando se olha para a ciência, a história e principalmente quando se as compara entre si: por que o espanto inicial leva a deduções tão diferentes? Sinal de que as deduções e seus respectivos códigos de ética são aleatórios, embora a ânsia por elaboração e codificação seja um elemento em comum.

Tenho ouvido muito que os agnósticos seriam aqueles ateus que não conseguem se afirmar com todas as letras. Sei que a Associação de Ateus, a Ateia, fomenta esta versão dos fatos. Embora este possa ser o caso de alguns agnósticos, considero o agnosticismo um simpatizante do misticismo: há algo ali, que não está bem claro, e ambas as respostas, religiosa e científica, não me parecem perfeitamente coerentes para explicar beleza, complexidade, leis científicas, leis humanas, e também imperfeições e mistérios nestes leis. Agnósticos, do meu ponto de vista, curvam-se com humildade frente àquilo que os crentes laicos e religiosos, convencidos da inescapabilidade de suas leis, seculares ou sacras, veem com empáfia. Creem no divino como mistério, sem necessariamente crer em um deus, uma força única, uma existência que contemple tudo, que seja ora bondosa, ora maléfica; ora onipotente, ora desafiada por um demônio antagônico. Agnósticos curvam-se ao ainda não desvendado, e rejeitam as empreitadas totalizantes, alimentados por dúvidas que são, elas mesmas, belas e mais perenes do que suas respostas, que estão em eterna mutação ao longo da história humana.