quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Pôs o tênis no meio-fio: é puta!

Sou mulher. Quando saio para a rua, saio para uma guerra. Não posso ouvir meus pensamentos, porque ouço buzinas estridentes. Recomendam-me não responder. 
Estes dias resolvi sair de saia. É como se eu estivesse pelada. Gritos, buzinadas longas. Ao andar pela calçada, ao esperar no ponto de ônibus. Pus o tênis no meio fio? Estou pelada e sou puta. A puta clama pelo abuso. Rogo por uma grosseria. Suplico - não me deixem em paz! Não me deixem pensar no meu caminho ou nos meus afazeres. Violentem os meus ouvidos. Ainda não desceram do carro para violentar outros orifícios. Mas o aviso está lá: olha, que eu violento os seus ouvidos. Às vezes o som da buzina se define numa mensagem. O tema é minha buceta, meu traseiro, minhas coxas, os apetrechos que a puta aqui usa para ir de um lugar ao outro, num dia de verão, de tênis e saia. 


Meus algozes voam rápido, eles se repetem. São tantos e é o mesmo. Nunca falei com um deles. Fora do carro, longe da velocidade e do anonimato, ninguém faz isto. É todo dia violência, mas de saia, é insuportável. Não estou me insinuando. Estou com calor. Tenho um trajeto claro e firme pela frente. Vou à biblioteca. Mas sou a puta, a violável, que ousou pôr uma saia, com um tênis, para andar rápido. Lembram-me disso, de 20 a 30 vezes durante a minha caminhada. E pôr o tênis no meio-fio? É levar uma saraivada.

Quando dou de acordar muito feminista militante, eu visto uma saia.
E saio com ela para a guerra. 


2 comentários:

  1. direito a cidade, ir e vir...é desanimador q não temos nem isso ainda. e, na áustria, hein? como é? aqui a gente não tem notícias de um lugarzinho urbano sequer onde a misoginia não se apresente aos berros :( Ju

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  2. Minha flor, na Áustria isto não existe. Eu passava no canteiro de obras de saia e pensava "é agora que eles vão começar".
    Nada. Não tem este tipo específico de violência.

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