sábado, 19 de março de 2011

Delírios de onipotência e a tecnologia nuclear

 O tema da energia nuclear diz respeito à (falta) de humildade do ser humano desde que este começou a "dominar" a natureza. A dominação veio entre aspas porque a crescente força e agressividade se transveste de domínio, mas todo domínio eh questionável. Há momentos em que nos sentimos dominadores, e nos esquecemos das revoltas diárias que a natureza nos opõe. Por mais que nos sintamos por cima, ela ainda é maioria no planeta. Ela é o planeta. Mas o tema não diz respeito apenas a esta oposição entre domínio humano e natureza, mas respeito a nossa percepção da qualidade deste domínio, que nos leva a crer tantas vezes que possuimos poderes sobre-humanos sobre a natureza e sobre o nosso próprio destino.

 A tragédia de Chernobyl foi causada por vários erros de natureza humana. Primeiro, houve erros na construção do reator, que já o tornavam mais inseguro. Segundo, tomou-se uma atitude questionável ao delegar para jovens físicos inexperientes a consecução do procedimento padrão de segurança, durante o qual ocorreu o desastre. Terceiro, no momento em que os dois jovens físicos trabalhando em painéis diferentes tentaram se comunicar para reverter uma situação de crescente risco, a linha entre eles ficou muda, o que os levou a tomarem atitudes desencontradas que por fim levaram ao desfecho conhecido. Ou seja, no mínimo três erros em cadeia foram responsáveis por Chernobyl.

 Com o passar dos anos e o amainamento da memória os erros humanos foram retoricamente transformados em erros soviéticos. Ah, aqueles déspotas retrógrados! O Japão, uma nação que salva a honra oriental, porque conseguiu provar ao mundo euro-americano quão bem pode se adequar aos seus valores, estava fora de suspeita. Não faltará gente, ainda mais no futuro, quando as imagens de horror se borrarem da memória dos telespectadores, que defenda que não se devem construir usinas atômicas sobre áreas onde se encontram placas tectônicas, porque estas sao incontrolaveis. Nesta semana ja, Putin assinou tratados com a Bielorussia com base nestes argumentos. O aspecto de falibilidade humana no cataclisma de Fukushima estara mais encoberto ainda do que já esta hoje. Segundo telegrama vazado pelo wikileaks, que infelizmente só ficou conhecido esta semana,

"(No ano de 2008) a Japanese Memeber of Parliament Taro Kono told US diplomats the government was covering up nuclear accidents and obscuring the true costs and problems associated with the nuclear industry."

"(E em dezembro do mesmo ano) an official from the International Atomic Energy Agency pointed to "a serious problem" with nuclear reactors in areas of Japan prone to earthquakes. Recent earthquakes "have exceeded the design basis for some nuclear plants", he told a meeting of the Nuclear Safety and Security Group of the Group of Eight countries. Moreover, safety guides for seismic activity had been revised only three times in the past 35 years, he added.


Um resultado esperado para explicação que se dará à catástrofe será por toda a culpa na revoltada mãe natureza, esta mesma que nos prometemos sempre de novo controlar, simplesmente pelo fato de que "os culpados humanos" são uma rede muito ampla de pessoas poderosas e interesses poderosos.

No calor da hora a Chanceler alemã Angela Merkel recua da decisão do seu partido de postergar o fechamento de velhas usinas atômicas por toda o pais. Ela está de olho nas eleições estaduais que se darão em poucas semanas e na força exponencial que pode ganhar o movimento anti-nuclar que não esqueceu Chernobyl, movimento este que será capitalizado pelo Partido Verde. Se a moda pega, logo países como Alemanha e Franca, quem sabe EUA, terão de abdicar de velhas plantas e talvez de novas a serem construídas.

Meu medo é que, como já aconteceu tantas vezes, a poderosa indústria atômica, escurracada dos países que são seus maiores clientes, aqueles que ocupam o centro do capitalismo, busquem (ainda mais) guarida nas "economias emergentes", famintas por geração de energia, atualmente com meios para pagar a tecnologia que será comemorada como "tecnologia de ponta", mas com pouca experiência com a energia nuclear, o suficiente para se deixar encantar por mais este sonho de onipotência. Leo Sakamoto, do blog do Sakamoto, informou que há quatro novas centrais nucleares a serem instaladas no Brasil nas proximas duas décadas, fora Angra III, que esta a caminho. Agora utlizemos o raciocínio acima para calcular quanto nao aumentará a pressão econômico-política para que se construam mais quatro além das quatro já previstas. Talvez até facam uma promocão: Compre 4, leve 5.

Nós brasileiros podemos ter uma natureza abençoada, mas não somos melhores do que os russos ou os japoneses. E o pior de tudo: não somos melhores do que nos mesmos. Somos falíveis, nossa política, nossos orgãos, nosso pessoal, são tambem, demasiado humanos. Urge que nossa sociedade civil tome antecipadamente uma consciência que de outra forma so virá pela dor: de que em relação a todas as tecnologias, mas em especial as mais destrutivas, não há segurança que se garanta para sempre. Que os riscos neste caso, como em tantos outros, são pesados demais para se arcar. Sejamos nós, a sociedade civil, humanos inteligentes. Inteligencia neste caso está diretamente ligada à humildade. 



quinta-feira, 10 de março de 2011

100 anos de Dia Internacional da Mulher em Viena

Ha praticamente 100 anos, no dia 19 de marco de 1911, 20 mil manifestantes, em sua grande maioria mulheres, se organizaram sem twitter nem facebook em torno do direito ao voto no centro de Viena. Paises que entao tambem contaram com massiva presenca feminina e feminista nas ruas foram Alemanha, Suica, Dinamarca e Suecia. Ja nos anos 1970 a ONU oficializou o dia 08 de marco como o dia Internacional da Mulher.
Como parte das festividades fomos convidadas as mulheres das cercanias de Viena para uma serie de atividades comemorativas no predio da prefeitura.
O salao festivo da prefeitura e digno de um imperio multinacional, de uma suntuosidade dificil de descrever ou mesmo dificil captar por uma lente amadora como a minha. Eh uma delicia entrar la.

Entrei mais admirando o predio e logo em seguida fiquei um tanto hesitante, ja que os stands montados imediatamente me remeteram a minha experiencia com o UPA (Universidade de Portas Abertas) da UNICAMP, evento este que buscava apresentar a universidade como esplendido trampolim para as grandes empresas a jovens ainda no segundo grau. Cursos como o meu nao tinham chance neste evento, a nao ser como desvirtuadores non gratos. E esta ideologia toda era um pastelao para mim. Para piorar um pouquinho, a perua loirosa que apresentaria o evento me parecia um mal indicio. Eu me perguntava: e agora, o que saira da boca desta secretaria de Viena para assuntos das mulheres? Entao ela comecou a falar e dissipou qualquer traco de receio meu em 10 minutos. Como suele ser estavamos, com a graca da Deusa, em um evento feminista. E os stands que em sua forma tanto lembravam os do UPA eram stands feministas. Territorio amigo, hora de relaxar os musculos.


Sandra Frauenberger, que tem mulher ate no nome, fez um discurso para la de feminista, um deleite. Ela foi endossada pela ministra austriaca de assuntos das mulheres. Pelo dialogo das duas ficou claro como uma prefeitura pode ter um vies feminista. Ambas tracaram comparacoes entre Viena e o restante do pais. O fato de haver creche em tempo integral apenas na metropole leva a situacao de muito mais mulheres trabalhando tambem em tempo integral, o que por sua vez faz reduzir muito a discrepancia salarial entre homens e mulheres. Isto tudo para nao falar dos servicos especificos que atendem apenas a capital, como casas onde mulheres vitimas de violencia podem se abrigar com seus filhos, servicos de atendimento imediato em caso de violencia, etc.
Em "entrevistas" posteriores falou-se da historia do feminismo em Viena, do futuro do feminismo na cidade, fez-se demonstracoes de defesa pessoal para mulheres, que tambem pode ser aprendida em qualquer VHS da cidade (as escolas tecnicas que abrigam a maioria dos cursos livres no pais), alem de exortacoes para que as mulheres nao facam valer apenas seu direito de eleitoras, mas tambem de candidatas..
Mais tarde houve visitacoes guiadas pela prefeitura para mostrar o trabalho atual e passado de feministas, bem como uma visitacao guiada a uma exposicao que perfila diante dos nossos olhos centenas de cartazes ja confeccionados na Austria em prol da causa da mulher.
Muito diferente do UPA, este "perfeitura de Viena de portas abertas para as mulheres" de fato me fez sentir - eu que sou mulher mas nem sou austriaca - em casa. Me fez sentir mais segura na cidade onde eu ando agora, mais parte dela. Vale a pena lembrar que os servicos mencionados por Frauenberger atendem mulheres EM Viena, nao somente mulheres vienenses. Pude me sentir irmanada com Rosa Luxemburgo e Clara Zetkin, estas mulheres colossais sobre quem Kaustky disse com razao que eram "os ultimos grandes homens da social-democracia". E foi neste contexto, para mim completamente novo, que eu, contrariando meu passado de ranzinzice, AMEI ganhar uma rosa vermelha.

domingo, 6 de março de 2011

agora aprendiz de vienense (e circunvizinhancas)

Ja deu para perceber pela falta de quaisquer sinais graficos caracteristicos do portugues que estou em outras paragens (e com uma certa preguica de correr atras dos ditos cujos). Pois e. Durante 4 meses ao menos serei aprendiz de vienense, ainda que a partir de uma localidade proxima, porem muito orgulhosa de suas idiossincrasias e da distancia ate a capital: Laab im Walde. E certo que estou aprendendo a ser um pouco Laaber tambem, mas vou cometer a injustica de dedicar o titulo so a Viena, mesmo abrindo o aprendizado no blog com o Faschingsumzug de Laab, quer dizer, o desfile de carnaval desta cidade dormitorio com um dos pezinhos fincados na agricultura.

Carnaval em Laab



         Impossivel nao lembrar do antropologo Gluckman e de seu "estudo de caso detalhado" ou "analise de uma situacao social na Zululandia moderna". Quanto eu nao teria sacado de Laab, se apenas eu a conhecesse melhor?  O que estava tudo representado la, que eu nao vi? A estrutura social se representa por excelencia em festividades alegoricas como o carnaval. Pena, cai de paraquedas e so vi o obvio. Um pequeno desfile, bem animado, puxado pelos tratores que labutam durante a semana. O prefeito perambulando entre os seus eleitores. As criancas da escola com uma fantasia padronizada: bolas de futebol de gesso moldadas sobre as tocas. A imagem acima eh do trator que puxava os salva-vidas californianos, que atiravam balas para os passantes e uma ou outra pessoa que olhava da janela de casa. Havia tambem um trator cheio de monges e monjas exortando a bebedeira geral.
            A bandinha, modestamente trajada (adoro pessoas que sabem se divertir com pouco dinheiro!), tocava Blasmusik, ou em bom portugues, aquilo que no Brasil se costuma ouvir na Oktoberfest.


         Incrivel como a exaltacao a bebedeira aqui esta em harmonia com uma festa totalmente familia. Criancas distribuem sonhos, sim, os bolinhos!, recheados com geleia de damasco. Boa parte delas esta fantasiada de diabinho, ou melhor, Krampusch, o ser lendario que bate nas criancas mas quando as boas ganham doces.
         Um minimo de estrutura social muito afoita em se demonstrar: na frente do cortejo oficial saiu um trator de aparencia pouco festiva, reclamando com faixas que a camara de veradores local nao tem representacao vermelha, ou seja, do partido SPÖ, o analogo ao partido da social-democracia alema, SPD. Nao sei como se desenvolveu a situacao que culminou com a ausencia do SPÖ na camara, mas os manifestantes estavam em silencio e carregavam o subtitulo "O silencio dos cordeiros". Tenso, caso se se quisesse concentrar so nisto, superfluo se acaso se direcionasse o olhar para qualquer outro carro.
          Agora tenso mesmo, pelo menos para mim, era um trator que estava dentro do cortejo oficial. Cheio de soldados, adultos por dentro, mas acompanhado de criancas, quase todos meninos, devidamente caracterizados, a frente e atras. Que maneira pouco sutil e muito efetiva de se legitimar mesmo nas minusculas localidades! Sinto saudades da epoca quando, ainda traumatizados, os alemaes e austriacos tinham muitas ressalvas a simbolos de guerra.




           Passou pela minha cabeca expressar meu descontentamento de alguma forma, mas achei prudente estar minimamente integrada antes de expor minha faceta polemista. Nada como ficar um pouco menos maluca com a idade :) .

o que posso fazer por voce?

Me vendo chorar tudo o que eu podia e inclusive o que o meu corpo mal suportava, muitas comissarias de bordo me perguntaram "o que poderiam fazer por mim", ja me dando uma garrafa de agua na mao. Bom, pedi intermediacao para saber quando eu poderia regressar ao Brasil (nevasca em Amsterda, onde fiquei um dia e meio encalhada), pedi para que elas olhassem minha bagagem para eu poder auxiliar minha mae a pegar o restante das malas, entre outras coisas, mas elas so queriam mostrar falsa solicitude e expremer uma garrafa d agua na minha mao. "Is there ANYTHING I could do for you?! ANYTHING?"

Codigos de falsa cortesia sao sempre dispensaveis. Mas estes machucaram.

meu amor morreu, morreu o meu amor

Em dezembro passado morreu meu companheiro amado, Renato. Dai o grande vagar ate uma nova entrada no blog.