O tema da energia nuclear diz respeito à (falta) de humildade do ser humano desde que este começou a "dominar" a natureza. A dominação veio entre aspas porque a crescente força e agressividade se transveste de domínio, mas todo domínio eh questionável. Há momentos em que nos sentimos dominadores, e nos esquecemos das revoltas diárias que a natureza nos opõe. Por mais que nos sintamos por cima, ela ainda é maioria no planeta. Ela é o planeta. Mas o tema não diz respeito apenas a esta oposição entre domínio humano e natureza, mas respeito a nossa percepção da qualidade deste domínio, que nos leva a crer tantas vezes que possuimos poderes sobre-humanos sobre a natureza e sobre o nosso próprio destino.
A tragédia de Chernobyl foi causada por vários erros de natureza humana. Primeiro, houve erros na construção do reator, que já o tornavam mais inseguro. Segundo, tomou-se uma atitude questionável ao delegar para jovens físicos inexperientes a consecução do procedimento padrão de segurança, durante o qual ocorreu o desastre. Terceiro, no momento em que os dois jovens físicos trabalhando em painéis diferentes tentaram se comunicar para reverter uma situação de crescente risco, a linha entre eles ficou muda, o que os levou a tomarem atitudes desencontradas que por fim levaram ao desfecho conhecido. Ou seja, no mínimo três erros em cadeia foram responsáveis por Chernobyl.
Com o passar dos anos e o amainamento da memória os erros humanos foram retoricamente transformados em erros soviéticos. Ah, aqueles déspotas retrógrados! O Japão, uma nação que salva a honra oriental, porque conseguiu provar ao mundo euro-americano quão bem pode se adequar aos seus valores, estava fora de suspeita. Não faltará gente, ainda mais no futuro, quando as imagens de horror se borrarem da memória dos telespectadores, que defenda que não se devem construir usinas atômicas sobre áreas onde se encontram placas tectônicas, porque estas sao incontrolaveis. Nesta semana ja, Putin assinou tratados com a Bielorussia com base nestes argumentos. O aspecto de falibilidade humana no cataclisma de Fukushima estara mais encoberto ainda do que já esta hoje. Segundo telegrama vazado pelo wikileaks, que infelizmente só ficou conhecido esta semana,
"(No ano de 2008) a Japanese Memeber of Parliament Taro Kono told US diplomats the government was covering up nuclear accidents and obscuring the true costs and problems associated with the nuclear industry."
"(E em dezembro do mesmo ano) an official from the International Atomic Energy Agency pointed to "a serious problem" with nuclear reactors in areas of Japan prone to earthquakes. Recent earthquakes "have exceeded the design basis for some nuclear plants", he told a meeting of the Nuclear Safety and Security Group of the Group of Eight countries. Moreover, safety guides for seismic activity had been revised only three times in the past 35 years, he added.
(disponível em: http://www.theaustralian.com.au/news/opinion/japan-syndrome-shows-why-we-need-wikileaks/story-e6frg6zo-1226023786739)
Um resultado esperado para explicação que se dará à catástrofe será por toda a culpa na revoltada mãe natureza, esta mesma que nos prometemos sempre de novo controlar, simplesmente pelo fato de que "os culpados humanos" são uma rede muito ampla de pessoas poderosas e interesses poderosos.
No calor da hora a Chanceler alemã Angela Merkel recua da decisão do seu partido de postergar o fechamento de velhas usinas atômicas por toda o pais. Ela está de olho nas eleições estaduais que se darão em poucas semanas e na força exponencial que pode ganhar o movimento anti-nuclar que não esqueceu Chernobyl, movimento este que será capitalizado pelo Partido Verde. Se a moda pega, logo países como Alemanha e Franca, quem sabe EUA, terão de abdicar de velhas plantas e talvez de novas a serem construídas.
Meu medo é que, como já aconteceu tantas vezes, a poderosa indústria atômica, escurracada dos países que são seus maiores clientes, aqueles que ocupam o centro do capitalismo, busquem (ainda mais) guarida nas "economias emergentes", famintas por geração de energia, atualmente com meios para pagar a tecnologia que será comemorada como "tecnologia de ponta", mas com pouca experiência com a energia nuclear, o suficiente para se deixar encantar por mais este sonho de onipotência. Leo Sakamoto, do blog do Sakamoto, informou que há quatro novas centrais nucleares a serem instaladas no Brasil nas proximas duas décadas, fora Angra III, que esta a caminho. Agora utlizemos o raciocínio acima para calcular quanto nao aumentará a pressão econômico-política para que se construam mais quatro além das quatro já previstas. Talvez até facam uma promocão: Compre 4, leve 5.
Nós brasileiros podemos ter uma natureza abençoada, mas não somos melhores do que os russos ou os japoneses. E o pior de tudo: não somos melhores do que nos mesmos. Somos falíveis, nossa política, nossos orgãos, nosso pessoal, são tambem, demasiado humanos. Urge que nossa sociedade civil tome antecipadamente uma consciência que de outra forma so virá pela dor: de que em relação a todas as tecnologias, mas em especial as mais destrutivas, não há segurança que se garanta para sempre. Que os riscos neste caso, como em tantos outros, são pesados demais para se arcar. Sejamos nós, a sociedade civil, humanos inteligentes. Inteligencia neste caso está diretamente ligada à humildade.
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