segunda-feira, 18 de outubro de 2010

sobre por quê dar um tempo na mídia às vezes

Já fui criticada por não dar "a devida atenção" aos meios midiáticos tradicionais. Vejo que para o meu pai e o meu avô, por exemplo,  leitura diária do jornal faz talvez parte da própria constituição do homem burguês, como o seu passaporte para a vida pública mais ampla, já que ser homem com alguma posição na sociedade já era por si só pertencer à vida pública. Não lê-los significa estar 'fora do mundo'. Curiosamente, todos partem do pressuposto de que sabem avaliar as notícias transmitidas. Elas não precisam de uma visão de mundo para ser lidas. A verdade é que inevitavelmente precisam, porém é a própria visão de mundo que parece não carecer de sofisticação. As notícias são cristalinas como água, e a visão de mundo de quem as consome parece ser transparente. Como pode haver engodos em uma realidade tão límpida? O comportamento que acompanha o tradicional leitor de jornais, mor das vezes o homem burguês, é a segurança sobre como lê e sobre o que é lido. Aquele é o seu ambiente, em que intrusos aos poucos penetram, mas ainda não o suficiente para chacoalhar seus paradigmas. Já a atitude desejável do cientista social, principalmente o 'selvagem', quer dizer aquele que o é por habitus e não por formação, é a da dúvida, não a da certeza. Buscar elementos de fora da mídia é fundamental para garantir alguns parâmetros de leitura.  Livros, estatísticas, realidades distintas. Tudo isto pesa para quem lê. Como de praxe quando se ampara na dúvida, e não na certeza, a arrogâncias que se cedimenta na certeza também arrefece (ou deveria).Assim como em outros aspectos da vida, um tempo de afastamento te dá um outro olhar sobre algo que parecia familiar. A dinâmica frenética das notícias chegando fresquinhas em casa, cheias de obviedades transbordantes produz uma atmosfera muito familiar. Os bem-informados são às vezes somente aqueles que se entregaram a um fluxo incompatível com a reflexão. Por mais que nos entreguemos a este fluxo, é bom desconfiar de si e tudo por vezes. Nem que seja para fazer como Descartes, que voltou cheio de certezas da cabana onde se refugiou para dirimir suas dúvidas. Mas ao menos fica claro que os parâmetros construídos para absorver algo foram construídos, houve esforço. Assim dá até para ver alguém de opinião diametralmente oposta e dizer: "não concordo com você, mas sua construção, que belo edifício!"

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