terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Feira Preta, a imigração e a escravidão

Neste final de semana acontecerá a décima edição da Feira Preta no centro de exposições Imigrantes na capital paulista. Pela divulgação do evento a princípio os idealizadores tem um viés bem comercial: dá para fazer dinheiro se direcionando à "nova classe média", ou seja, a classe C, que segundo Marcio Pochmann, presidente do IPEA, é apenas um segmento de novos empregados do setor de serviços, e não é como a clássica e ainda atual classe média, composta por dentistas, advogados, professores universitários, etc., majoritariamente branca em um país de mulatos e mestiços. 
Apesar de não ser o ideal, acredito que o viés comercial não deva ser alvo de críticas. Interessante a coincidência de o evento ser sediado no centro de exposições imigrantes, porque insere a população negra e afrodescendente no contexto dos imigrantes. A história da escravidão, que trouxe negros das mais diversas etnias para cá nunca será igual a da imigração de gente que já veio com uma nacionalidade definida quando a África ainda era uma grande possessão europeia dividida em colônias. As condições de inserção de africanos e europeus no Brasil é tão diferente que é difícil achar um patamar comum para igualar ambos. 
Embora muitos imigrantes tenham vindo para substituir a mão-de-obra escrava nos cafezais do Brasil, como foi o caso de suíços, italianos e japoneses, e com isto provaram o gostinho do que é a herança escravocrata, de violência e coisificação, em geral as condições de inserção possibilitaram a ascensão social, se não de todo o grupo, mas de parte substancial dele. É por isso que a classe média hoje é tão italiana, espanhola e japonesa em São Paulo, e tão alemã também no Sul do Brasil. 
Não quer dizer que estas pessoas tenham tido trajetórias fáceis de ascensão. Havia, claro, os que já chagavam com uma profissão demandada por um país de capitalismo nascente, e que portanto obtiveram refúgio no Brasil para continuar a ocupar a classe média ainda que em outro continente. E houve também aqueles que amargaram perdas humanas, morreram estupidamente de doenças tropicais antes não conhecidas trabalhando numa lavoura de patrões ex-escravocratas ou em condições pré-capitalistas. Teve gente que, antes de se inserir ou reinserir regrediu de posição: conhecia da Europa água encanada, luz elétrica e educação e teve de aprender por um período a viver sem tudo isto que já parecia certo. 


Quanto aos escravos, em geral não foram utilizados nas mesmas fazendas que se tornaram capitalistas, empregando a mão-de-obra imigrante. Dispersaram-se, portanto, vivendo em grande parte à margem do Estado e do mercado. E a este vieram a se incorporar muito depois, como último recurso do exército industrial de reserva. 
Diferente dos imigrantes, suas referências culturais sofreram uma grandíssima pressão. A cultura negra brasileira e americana é uma miscelânea daquilo que cada contingente com sua origem própria trouxe. As rupturas já radicais que os imigrantes sofreram, foram muito mais radicais para os negros. As agressões, privações e autoritarismos que os imigrantes sofreram foram muito mais radicais para os escravos. 

O pintor Portinari, branco,
representa os negros em suas obras
Durante as décadas passadas, eram muito comuns os festivais de imigrantes onde sua presença era maciça, como em São Paulo e no Sul do Brasil. Em Curitiba encontravam-se todos, onde exibiam danças, culinária e outras atrações consideradas típicas. Os negros estavam excluídos destas apresentações. Afinal, não havia a percepção de que o negro tinha algo positivo a mostrar ou do que se orgulhar, nem a que fazer referência. A cultura negra esteve sempre subalterna. 

Iniciativas como as várias semanas da consciência negra, de politização da questão racial ainda tão presente no Brasil, são fundamentais. Mas eventos mais mercadológicos contribuem no sentido de tirar a cultura negra do gueto nos termos da nossa sociedade atual, que funciona em grande parte mercado- logicamente. 

A experiência histórica de imigração e escravidão nunca será igual. Não é possível mexer no passado. Mas é possível criar uma base comum de trocas e reconhecimento do valor negro para a constituição a unicidade do Brasil e de cada um dos nossos rincões. Festivais negros, aconteçam, cresçam e atraiam gente de todo tipo. Um passo para consertar um pouco o desnivelamento histórico e reconhecimento atual das experiências de imigração e escravidão. 

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