Há bastante tempo um amigo e eu fazíamos um exercício lúdico que consistia no seguinte: escutava-se um trecho de música erudita e descrevia-se a mesma por meio de cores. Naquele pequeno universo de duas pessoas havia uma alta correspondência entre as cores percebidas por um e por outro. Já na faculdade submeti meus amigos a uma outra experiência, que buscava relacionar fonemas com cores. Os resultados aí foram menos convergentes. Ainda assim o meu namorado conseguiu criar uma teoria geral que via uma coerência no resultado. Eu não tinha um blog, não guardei a experiência nem as conclusões. Uma pena.
A visualização de elementos não visíveis sempre me fascinou. Diz-se que Einstein teria visto uma imagem quando teve o estalo que o fez descobrir, ou "ver", a teoria da relatividade. Não sei confirmar se isto faz parte do folclore em torno do gênio, mas me parece plausível.
Quando lia livros de antropologia, minha cabeça se povoava de imagens. Imagens abstratas, e não quaisquer imagens de fotográficas ou fílmicas de "primitivos" encenando este ou aquele ritual.
Antes de saber que Edmund Leach era engenheiro, já enxergava o Sistemas Políticos da Alta Birmânia como uma espécie de complexa rede de encanamentos. Crime e Costume na Sociedade Selvagem me parece basicamente um livro bicolor. Tons de azul e de vermelho, talvez. As Técnicas do Corpo me parece feito de finíssimos grãos de areia.
Estas impressões, no meu caso, nascem quando tenho o tempo e a calma disponível para deixar reverberar o texto além texto, além do sentido imediato que cada frase transmite, semanticamente. Talvez, e sublinho este talvez, porque pode ser só maluquice minha, estas impressões captem padrões ao longo do texto, talvez algo como uma frequência ou modelo a partir do qual se escreveu. Ah, quando eu estava com os sentidos bem abertos também começava a ouvir música lendo certos textos. Tudo isto foi diminuindo com a crescente racionalização da vida.
Isto que se vê ou escuta involuntariamente para além do texto me lembra da atenção flutuante, princípio da psicanálise que aprendi com a professora Amnéris Maroni. O texto tem tantas camadas e uma delas é esta da impressão global, que pode ser condensada em uma imagem ou talvez um som. Para a lista dos meus projetos malucos que nunca serão realizados: ler textos clássicos buscando as cores e imagens ocultas, e materializá-las num desenho ou pintura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
E você, o que pensa?